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  • Jovens com síndrome de Down usam a própria voz para lutar por seus direitos

Bem antes da pandemia de COVID-19, que fez com que o mundo abraçasse as tecnologias de comunicação para continuar trabalhando e se relacionando com familiares e amigos, um grupo de jovens e adultos fazia as primeiras tentativas para se reunir via internet. Era 2016, e elas e eles moravam em cidades diferentes do Brasil, mas estavam empenhados em realizar reuniões periódicas para compartilhar experiências e discutir seus direitos. Em comum, tinham um aspecto: nasceram com a trissomia do cromossomo 21, também conhecida como síndrome de Down.

“O Grupo de Autodefensoria serve para ajudar pessoas com síndrome de Down a serem protagonistas de suas próprias histórias”, explica Jéssica Mendes de Figueiredo, fotógrafa com síndrome de Down que idealizou o Grupo junto com a mãe, Ana Cláudia Mendes de Figueiredo. O Grupo Nacional de Autodefensoria, ligado à Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down desde 2018, conta hoje com 14 jovens que se reúnem a cada duas semanas para debater sobre os direitos das pessoas com deficiência e capacitar os participantes para representarem a si próprios em defesa dos direitos das pessoas com deficiência e da inclusão dessas pessoas em todos os espaços sociais.

As reuniões acontecem usualmente à noite, para que as e os participantes possam conciliar essa atividade com suas rotinas de trabalho. Jéssica, por exemplo, é fotógrafa na Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Há também professores, funcionários públicos e em escritórios privados, escritores, e todas e todos destacam a importância de ter a carteira de trabalho assinada, para que seus direitos estejam assegurados.

As pautas de discussão cobrem temas da atualidade que dizem respeito aos direitos das pessoas com deficiência, como a reforma da previdência e a educação inclusiva, mas a abordagem das discussões não se limita aos direitos. “Discutimos assuntos relacionados aos direitos e também aos deveres de pessoas com deficiência”, conta Sofia Alves, de São Paulo, integrante do Grupo e funcionária do SENAC.

O coletivo é coordenado por Jéssica de Figueiredo e Vinícius Streda, eleitos pelos próprios integrantes. Conta ainda com quatro mediadoras, que apoiam as discussões: Ana Cláudia de Figueiredo, Juliana Righini, Nancy Costa e Viviane Orlandi. Além dos encontros virtuais, o Grupo realizou reuniões presenciais em 2016, 2017 e duas em 2018. A agenda programada para 2020 precisou ser cancelada por conta da pandemia de COVID-19, que impossibilitou viagens e reuniões presenciais.

Ineditismo – O Grupo chama a atenção pelo ineditismo da proposta. A autodefensoria de pessoas com deficiência física ou sensorial é relativamente comum, mas pessoas com deficiência intelectual costumam ter menos voz na luta por seus próprios direitos. No Brasil, há poucas experiências de grupos de autodefensores com deficiências intelectuais diversas, e o Grupo Nacional de Autodefensoria é o único de pessoas com síndrome de Down.

Atualmente, o Grupo de Autodefensoria está construindo com a ONU Brasil uma ação para fortalecer sua atuação na área dos direitos humanos. Para o coordenador residente do sistema ONU no Brasil, Niky Fabiancic, “essa é uma oportunidade de reforçarmos nosso compromisso com as pessoas com deficiência e com a construção de uma sociedade inclusiva, na qual ninguém é deixado para trás”.

“No Grupo de Autodefensoria, temos um lugar de fala, um lugar que confia em nós e no nosso potencial”, explica Sofia Dominguez Alves. “Serve para a gente adquirir autoconfiança, autodisciplina, autonomia, estar de frente para a sociedade e aprender mais”, concorda João Vítor Mancini Silvério, professor de educação física na escola onde estudou quando criança. “Me sinto acolhido, aceito, importante”, completa.

A advogada Ana Cláudia M. de Figueiredo destaca que os objetivos do Grupo vão além do desenvolvimento pessoal de cada um. Ela explica que a autodefensoria trata do desenvolvimento de habilidades de defesa de direitos coletivos e de incidência em instâncias como o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais. “O objetivo último é capacitá-los para estarem no mundo, defendendo o lema ‘Nada sobre nós sem nós’”.

Educação inclusiva – Quando crianças, todas e todos os participantes do grupo tiveram a oportunidade de estudar em escolas regulares e essa experiência é crucial para suas opiniões a respeito da educação inclusiva. “É o que vai nos preparar para qualquer ambiente, para o trabalho”, argumenta Samuel Sestaro. “Nós temos direito de fazer escolhas e tomar decisões, e todos nós queremos inclusão, escola regular, perto das casas das pessoas com deficiência”, completa.

Isso não quer dizer que a inclusão seja simples. Em seus relatos, aparecem vários casos de discriminação nas escolas e universidades que frequentaram. “Na escola e em todo o mundo existe o preconceito, não é fácil conviver com a diferença, mas não me deixei abalar e sempre fui eu mesma”, conta Sofia Alves. “A partir da quinta série do Ensino Fundamental começaram problemas de discriminação, mas eu frequentava festas, aprendi e me desenvolvi ao máximo”, relata João Vítor. “Eu aprendi a resolver as situações de discriminação sozinha”, conta Jéssica de Figueiredo.

Ainda assim, esse coletivo acredita que a inclusão é o melhor caminho para pessoas que, como elas e eles, têm síndrome de Down. “Nossa bandeira é que a educação inclusiva é para todos”, diz Laura Negri. Elas e eles esperam que, da escola, a inclusão se espalhe pelo mundo. “Nós somos capazes e somos protagonistas de nossas vidas. A sociedade é que precisa ser mais justa e somos porta-vozes disso”, afirma Laura Negri.

A inclusão de crianças com deficiência em escolas regulares é importante para essas crianças e para toda a sociedade porque a pluralidade enriquece o ambiente escolar e traz benefícios para toda a comunidade. “Todas as crianças podem aprender juntas e desenvolver múltiplas habilidades umas com as outras”, explica a psicóloga e educadora Elizabet Dias de Sá. “Os desafios da educação inclusiva têm a ver com os mecanismos de acesso e permanência desses estudantes na escola e com o desenvolvimento de ferramentas e recursos que possibilitem o desenvolvimento e o aprendizado em igualdade de condições, de acordo com as necessidades de todos e de cada um”, completa.

Coletivo – “A educação precisa avançar cada vez mais”, diz Mariana Amato. “Inclusão não é só na escola, mas em toda a vida”, afirma Tathiana Piancastelli. “A sociedade nos discrimina por falta de informação, mas vamos lutar contra a segregação sempre, porque ela freia o desenvolvimento”, avisa João Vítor.

Integram o Grupo Nacional de Autodefensoria: Álvaro Borges Neto  (Salvador/BA), Bruno Ribeiro (Recife/PE), Débora Seabra (Natal/RN), Fernanda Machado (Porto Alegre/RS), Fernanda Honorato (Rio de Janeiro/RJ), Fernando Moreira (Porto Alegre/RS), Jéssica Mendes de Figueiredo (Brasília/DF), João Vitor Macini Silvério (Curitiba/PR), Laura Negri (Curitiba/PR), Mariana Amato (São Paulo/SP), Samuel Sestaro (Santos/SP), Sofia Alves (São Paulo/SP), Tathiana Piancastelli (Miami/EUA) e Vinícius Streda (Santo Cristo/RS). 

A síndrome de Down é uma ocorrência genética, também conhecida como trissomia do cromossomo 21. Estima-se que no Brasil, para cada 700 nascimentos, ocorra 1 caso de trissomia do 21. No entanto, não há dados do censo populacional sobre o tema, o que dificulta uma estimativa precisa sobre quantas pessoas vivem com síndrome de Down no país.

ONU – No dia 3 de dezembro, as Nações Unidas celebram o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Em meio à pandemia, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu uma recuperação com inclusão das aspirações e dos direitos das pessoas num cenário pós-COVID abrangente, acessível e sustentável. Para ele, essa visão só será alcançada através de uma consulta ativa às pessoas com deficiência e organizações que as representam.  

A ONU estima que o mundo tenha mais de um bilhão de pessoas com deficiência. Elas estão os grupos mais expostos à exclusão da sociedade já que, mesmo em circunstâncias normais, têm menos probabilidade de ter acesso a cuidados de saúde, educação, emprego e de participar na comunidade. A organização defende uma abordagem integrada para garantir que as pessoas com deficiência não sejam deixadas para trás. 

FONTE: https://brasil.un.org/pt-br/103530-jovens-com-sindrome-de-down-usam-propria-voz-para-lutar-por-seus-direitos

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