Autonomia e Independência são marcos para as pessoas com deficiência intelectual
Ontem, 06/08/2019, tivemos a feliz notícia de uma decisão favorável numa ação proposta pela advogada Cristiane Zamari, membro do comitê jurídico da Federação Down.
Dra. Cristiane representou Rodrigo Fontana que tem síndrome de Down e buscava anular uma interdição que o considerava incapaz e impedia da tomada de decisões na sua vida, firmado por sua mãe, a muitos anos.
Essa é uma luta que o movimento tem se empenhado muito. Buscar autonomia e independência das pessoas com deficiência intelectual.
Essa é uma das muitas conquistas do segmento que comemorou o resultado e difundiu nas redes sociais. Vamos continuar divulgando para que mais pessoas possam ter seus direitos reconhecidos.
Reproduzimos abaixo um trecho do diálogo durante a audiência que definiu pela desinterdição de Rodrigo:
“Por que você foi interditado?”
Essa foi a principal pergunta do juiz de Direito da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro de São Vicente/SP a todos os presentes na audiência que decretou a capacidade civil plena de Rodrigo, de 37 anos, com síndrome de Down. E a resposta foi a mesma: “porque ele tem síndrome de Down”. A verdade é que antes da Lei Brasileira de Inclusão, (13.146/15) pessoas com síndrome de Down, anteriormente chamadas de “excepcionais” pelo Código Civil, eram para todos os fins legais consideradas incapazes de gerir os atos da própria vida, incluindo as próprias escolhas para o futuro, tendo sido vetado durante décadas o exercício de sua cidadania. A lei veio para eliminar esse termo que através das próprias pessoas com a síndrome foram provando sua autonomia e independência e enfim sua capacidade. Acontece que desde 2016, aquele que se sente injustamente interditado tem o direito de requerer a revogação dessa interdição, ser avaliado psicossocialmente e enfim ter sua voz ouvida pelo juiz para demonstrar suas capacidades. Esse era o sonho do Rodrigo. E eu me sinto profundamente honrada pela confiança em mim depositada para ser sua patrona! Parabéns querido, que sua decisão de lutar pela sua liberdade abra muitas portas e contribua com outras histórias iguais a sua! Porque sonho que se sonha junto vira realidade. Por Cristiane Zamari Diogo
Notícia completa do www.extra.globo.com
Aos 37 anos, Rodrigo Fontana em breve vai poder se casar com a noiva, Cássia Souza, sem a autorização de ninguém. Aliás, com o fim da interdição que o impedia de tomar suas próprias decisões, o auxiliar de escritório pode comprar o carro que tanto quer e até mesmo viajar. Rodrigo, que tem Síndrome de Down, foi interditado pela mãe aos 19 anos, e continuou sob a responsabilidade da irmã após a morte da matriarca, mesmo sendo capaz de responder por suas ações. Por isso, em mais de uma ocasião, os dois foram impedidos de se casar oficialmente, como EXTRA mostrou, há dois anos, em uma reportagem sobre amor e preconceito. Hoje, revelamos como a sorte do casal mudou: com a ajuda de uma advogada, Rodrigo enfim conseguiu se ver livre da curatela que o freava, e agora tem o direito de dizer SIM para o que quiser.
– Minha mãe me interditou quando eu era muito novo, achando que eu não conseguiria viver no mundo porque tenho Síndrome de Down. Eu tentei mostrar que podia, mas não fui ouvido por quase ninguém. Tentei várias vezes pedir ajuda à Justiça, mas não consegui, e continuei sendo controlado em tudo. Agora posso correr com minhas próprias pernas para tirar minha habilitação e comprar uma casa sem ter assinatura de ninguém. Já até marquei o casamento com a minha noiva para o dia 26 de outubro deste ano. Agora podemos oficializar a nossa relação. -, comemora o noivo, que já alugou o salão para a festa em Santos, cidade onde vive.
Livre da sensação de carregar “um peso nas costas”, Rodrigo já tem uma lista de planos que agora podem sair do mundo das ideias.
– Quando o juiz falou para pegar o documento parecia que eu estava flutuando. “Pronto, conseguimos!”, pensei. Hoje sou uma pessoa livre, nada me impede de ter meu carro, de fazer Administração, de abrir a minha própria empresa. – celebra ele, antes de revelar o maior de todos os seus objetivos: – Quero poder ajudar as pessoas com Síndrome de Down e outras condições. Quero dizer para os pais que acreditem em seus filhos, que confiem, porque eles são capazes. Eu não tive isso, mas outras pessoas podem ter, e vai fazer toda a diferença na vida delas -, completa.
Para a advogada que defendeu Rodrigo, Cristiane Zamari, de 40 anos, o preconceito e a cultura”paternal” diante de pessoas com Síndrome de Down explicam as decisões que mantiveram Rodrigo sob a curatela da família.
– A Lei de Inclusão ainda é invisível a muitas pessoas que deveriam conhecê-la, incluindo profissionais. Além disso, alguns não concordam com a conquista da capacidade civil de quem tem deficiência intelectual, mas a lei diz que hoje as pessoas com Síndrome de Down não são mais consideradas incapazes. Assim, quando se tornam maiores de idade, são cidadãos com direitos e deveres como os demais -, explica.
A advogada, que é mãe de um menino com síndrome de Down, membro do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das associações de síndrome de Down, conselheira do Movimento Down e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Santos, afirma que Rodrigo nunca deveria ter sido interditado.
– É grave que ele tenha sido considerado incapaz apenas por ter Síndrome de Down, pois nem sequer foi ouvido, nem sequer teve suas habilidades avaliadas. Esse olhar automático precisa acabar. Aliás, é um direito garantido por lei -, diz ela.
‘Conhecer Rodrigo mudou minha vida inteira’, diz noiva
Cássia conta que as pessoas ainda não se acostumaram a vê-los como um casal e que a rotina de preconceitos e comentários maldosos é uma realidade.
– A sociedade não considera o nosso relacionamento normal, porque eu não tenho Síndrome de Down e ele sim. As pessoas me perguntam se eu o levo ao fonoaudiólogo, se eu dou remédio para ele. Dizem assim: ‘Coitadinho’! Hoje a gente encara os comentários na rua melhor, tenta não se chatear.”, revela Cássia, focada na próxima etapa: – O melhor jeito de fazer as pessoas entenderem é vivendo a nossa vida, botando nossos planos em prática. Agora nós podemos -, afirma, aliviada.
Em outubro, seis anos depois de começarem a namorar e quatro anos sonhando com o dia em que poderiam dizer “SIM”, o casamento de Cássia e Rodrigo vai marcar uma nova era, em que os sonhos de adotar uma criança e de engravidar podem virar realidade.
– Se nosso filho tiver que vir com Down, que venha. Isso nunca será um problema para nós dois. -, afirma a futura esposa de Rodrigo.