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  • Com risco 10 vezes maior de morrer, brasileiros com síndrome de Down cobram vacinação imediata
Luiz Octávio Almeida, de 41 anos, segue à risca as medidas de isolamento social recomendadas pela comunidade científica. Apartado da sociedade desde o início da pandemia de coronavírus, parou de frequentar aulas de teatro, de violão e de bateria, interrompeu a academia e teve de deixar o trabalho. “É uma pena. Sinto bastante saudade”, conta ele, por telefone. Hoje, as únicas pessoas com quem convive são seus familiares mais próximos —pai, mãe, três irmãs, cunhado— que vivem na mesma rua do bairro do Butantã, em São Paulo. Sequer frequenta o supermercado ou a farmácia. Todo esse cuidado, muito maior que o da grande maioria da população, se deve ao fato de que Luiz Otávio tem síndrome de Down e está mais vulnerável aos sintomas mais graves da covid-19. O risco de morrer é 10 vezes maior em comparação com as demais pessoas, segundo indicou um estudo da Universidade de Oxford, do Reino Unido. “Preciso tomar a vacina logo para voltar a trabalhar”, afirma.

É por causa desse maior risco que a Federação Brasileira das Associações de síndrome de Down, que possui 38 grupos associados, iniciou no dia 19 de março a campanha Uma dose de respeito, demandando a vacinação imediata das pessoas nessa condição. “Nosso objetivo não é ter privilegio nem furar fila. Há estudos científicos mostrando claramente a vulnerabilidade de pessoas com síndrome de Down. O que estamos dizendo ao Ministério da Saúde e a prefeitos é que se trata de uma questão humanitária”, explica Antonio Carlos Sestaro, presidente da federação e pai de um rapaz de 31 anos com síndrome de Down.

No Brasil, o Ministério da Saúde incluiu os indivíduos com síndrome de Down no grupo prioritário para receber a vacina, mas dentro de um subgrupo de 17,7 milhões de pessoas com 22 tipos de comorbidades —diabetes, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, entre outras. Esse subgrupo está em 14º lugar na fila de imunização. Questionando se pretende priorizar ainda mais a imunização das pessoas com essa alteração genética, a pasta afirmou que os “Estados e municípios têm autonomia para definir uma estratégia local de vacinação, de acordo com as demandas locais”. Municípios da Paraíba, do Piauí, do Rio Grande do Norte, de Sergipe e do Mato Grosso do Sul já começaram a vacinar pessoas com síndrome de Down. São Paulo anunciou nesta terça-feira o início da imunização para esse grupo de pessoas, cerca de 40.000 em todo o território paulista, para 10 de maio. O Rio de Janeiro pretende fazer o mesmo em breve.

Vulnerabilidade

Além do estudo de Oxford, Sestaro aponta para um levantamento feito pela entidade que preside a partir dos dados de 2020 de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), incluindo dados da covid-19, do Ministério da Saúde. Comparou-se a evolução dos casos de acordo com as faixas etárias de pessoas com e sem síndrome de Down. De zero a 19 anos, a taxa de óbitos entre as pessoas com a deficiência é de 21,9%, enquanto para as demais é de 12,9%. A tendência é similar nas demais faixas etárias: de 20 a 39 anos e de 40 a 59 anos, o índice de mortes entre pessoas com a síndrome genética foi de 37,2% e 39,4%, respectivamente, mas para os demais foi de 17,4% e 25%, respectivamente. Por fim, entre as pessoas de 60 a 70 anos, a taxa de óbitos foi de 43,9% para as pessoas com síndrome de Down e de 38,9% para as demais.

Mesmo com todos os cuidados, Luiz Octávio teve covid-19. E duas vezes. A primeira foi em março do ano passado, quando a doença ainda era uma novidade. “Ninguém sabia muito o que fazer. Nessa ocasião ele ainda estava trabalhando, tendo vida normal, sem máscara”, explica Maria Fernanda Almeida, irmã de Luiz Octávio e coordenadora do grupo Vamos Juntos, associado à federação de entidades. Ele precisou ficar internado por 10 dias de UTI com máscara de oxigênio e catéter 24 horas por dia, mas se recuperou bem. Em novembro, não se sabe como, acabou infectado pela segunda vez. “Não precisou de UTI, mas ficou 12 dias internado com muitas alterações e usando catéter”, conta sua irmã. Seu pai, sua mãe e seu cunhado também se infectaram e precisaram ser internados na UTI com diversas complicações, mas todos agora estão bem.

A covid-19 resultou em algumas complicações auditivas e na inflamação das pálpebras de Luiz Octávio. “A imunidade dessas pessoas é igual a de uma pessoa idosa. Por isso deveriam ter sido vacinados desde o começo, como outros países fizeram”, explica Maria Fernanda. Entre as nações que priorizaram essa parte da população estão Reino Unido, Holanda, Alemanha, França, Portugal, Itália, e alguns eEstados dos Estados Unidos, segundo a federação. “Uma pessoa com 40 anos tem biologicamente 70 anos, por exemplo. A expectativa de vida aqui no Brasil é de 60 a 62 anos para essa população”, completa Sestaro, que calcula haver entre 270.000 e 300.000 brasileiros com síndrome de Down no país. Ele também se baseia na Lei Brasileira de Inclusão, que em seus artigos 9º e 10º garante prioridade no atendimento das pessoas com deficiência durante as situações de risco, de emergência ou estado de calamidade pública.

São diversos os fatores que fazem com que pessoas com síndrome de Down, uma alteração genética no cromossomo 21, tenham mais propensão a adoecer. Além do organismo envelhecer precocemente, muitos têm problemas no coração, são obesos ou sofrem com problemas de audição ou de hipotireoidismo. Além disso, muitos tem dificuldade para usar máscaras de proteção e, inclusive para fazer o tratamento contra a covid-19. Viralizou nas redes sociais no início deste ano um vídeo de um paciente que estava agitado e relutava em colocar máscara de oxigênio, mas que se tranquilizou ao ser abraçado por um enfermeiro. “O Vamos Juntos é um grupo com 100 jovens e a gente vê as dificuldades das famílias. Desde o contágio até o tratamento tudo é muito difícil. Conheço um caso de uma pessoa que não aceitou usar o catéter de oxigênio e acabou precisando ficar intubado”, conta Maria Fernanda Almeida.

Mas além dessas questões, a pandemia significou uma carga emocional ainda mais pesada nos ombros de quem tem síndrome de Down. São pessoas que já tinham uma tendência a viverem apartados da sociedade por causa do preconceito ainda existente e que, agora, tiveram de se isolar ainda mais. É o caso de Francinaldo Correia de Souza, de 47 anos, morador de Parintins, no interior do Amazonas.

Francinaldo Correia de Souza, de 47 anos.
Francinaldo Correia de Souza, de 47 anos.ARQUIVO PESSOAL

Em maio do ano passado, Francinaldo pegou covid-19 junto com sua mãe, de 87 anos, e seu sobrinho, que é técnico de enfermagem. A matriarca da família faleceu e, hoje, ele vive com outros parentes próximos. “Ele gostava muito de sair, então tivemos de montar um cerco para impedir que ele fugisse do isolamento”, conta Adriana Souza, conta sua sobrinha. Os sintomas da covid-19 em seu tio foram leves e, segundo conta, restou uma tosse seca. Mas ele acabou mergulhando na depressão. “Tem dias que ele não acorda bem, que ele não quer falar com ninguém, que ele não quer comer… Se a gente vai para o lado dele, ele se irrita. Tem dias que ele acorda sorrindo, e tem dias que ele acorda com muita raiva. Coisas que não eram típicas de Francinaldo”, explica Adriana. “Ele é um rapaz muito alegre, muito brincalhão, feliz. Apaixonado por crianças e por festas de aniversário, torcedor do Flamengo, participava de escolinha de futebol, é faixa marrom no jiu-jitsu. Ele tinha uma vida muito agitada e que ficou de lado.”

Francinaldo até diminuiu seus esforços para driblar o cerco familiar e escapar para a rua. Mas, para Adriana, a vacina seria um alívio na rotina familiar. “Não que ele vá sair direto, mas teria possibilidade de a gente sair pra fazer uma caminhada, por exemplo”, explica Adriana. “Todos nós pegamos covid-19 e ficamos muito assustados. A gente tem medo de sair, de levar ele pra caminhar… Mas ele sente essa necessidade, porque ele tinha isso tudo.”

Luiz Octávio também tinha uma vida muito agitada. “Ele fazia toda a parte de ajudar com as planilhas, com as correspondências que chegam, na comunicação com os funcionários. Ele adorava os amigos do trabalho, mas era um tipo de coisa que não dava para seguir online”, explica sua irmã. A única atividade que seguiu foi com as aulas online duas vezes por semana na escola que frequenta, onde dão suporte psicológico e para o mercado de trabalho. “Mas ele acabou perdendo essa comunicação, essa sociabilização, que é super importante para pessoas como ele.”

Luiz Octávio Almeida, de 41 anos, já teve covid-19 duas vezes e aguarda para ser vacinado. Assim como outras pessoas com síndrome de down, pede prioridade.
Luiz Octávio Almeida, de 41 anos, já teve covid-19 duas vezes e aguarda para ser vacinado. Assim como outras pessoas com síndrome de down, pede prioridade.WANEZZA SOARES Publicado dia 20 de abril de 2021 em www.brasil.elpais.com

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